quinta-feira, 27 de novembro de 2008

A relação entre educação e corrupção

Corrupção mundial custa 26% mais que aplicações na educação fundamental

As aplicações mundiais no ensino fundamental representam 74% do custo anual da corrupção, estimada em mais de US$ 1 trilhão pelo Banco Mundial (Bird). Isto é, o gasto com o ensino entre a 1ª e 9ª séries, em torno de US$ 741 bilhões, é R$ 259 bilhões menor que a cotação das práticas ilegais. A educação fundamental equivale a 1,3% do PIB mundial em PPC (Paridade do Poder de Compra), um modo de calcular o Produto Interno Bruto que tenta eliminar a diferença do custo de vida entre os países. Já as perdas com a corrupção representam cerca de 2% do PIB global, 0,7 ponto percentual a mais que o gasto com a educação para crianças e adolescentes.Anualmente, somente os países em desenvolvimento perdem entre US$ 20 e US$ 40 bilhões em ações de corrupção, o que pode chegar a 40% dos gastos oficiais com assistência social. Negociações como sonegação e corrupção podem custar até US$ 1,6 trilhão a cada ano em todo o mundo. Apenas a África, segundo a União Africana, perde US$ 148 bilhões por ano – equivalentes a 25% do Produto Interno Bruto do continente – por culpa de desvios ilegais de recursos.

O ônus da prática da corrupção é avaliado pelo Banco Mundial com base em dados econômicos de mais de 200 países, sobretudo, do dinheiro desviado em esquemas de superfaturamento de projetos e pagamento de propinas a servidores públicos. As aplicações em “primary education”, que equivale no Brasil ao ensino fundamental, por sua vez, foram apresentadas no final do ano passado no relatório Educação para Todos, elaborado pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco). Os custos dizem respeito, entre outros, à construção e manutenção de escolas, aos salários dos professores, aos materiais de aprendizagem e as bolsas de estudo.

Tatiana Filgueiras, especialista em educação do Instituto Ayrton Senna (IAS), acredita que a educação é duplamente uma ferramenta de combate à corrupção. “A educação promove uma dupla condição necessária para o combate à corrupção, que é o fortalecimento das pessoas, necessário para a efetividade do controle social, e o fortalecimento das instituições, necessário à instauração de cadeias de prestação de serviço mais éticas, eficientes e transparentes com sistemas de responsabilização”, destaca.

A especialista do IAS acrescenta que a educação gera educação, portanto, investir no setor é também uma forma de perpetuá-lo, já que a escolaridade dos pais é fator decisivo para que os filhos também freqüentem a escola. “A educação, ao mesmo tempo, gera riqueza, pois o aumento da escolaridade de um povo é capaz de elevar os níveis de renda e de saúde, de elevar níveis de participação e de controle social, além de contribuir para o próprio desenvolvimento econômico”, completa.
De acordo com o Instituto do Banco Mundial, países que combatem à corrupção e zelam pela manutenção do Estado de direito podem ter um aumento de até quatro vezes na renda nacional em longo prazo. “Educação gera educação, que gera riqueza, que contribui para o crescimento do país”, resume Tatiana. O cientista político e professor de Teoria da Corrupção da Universidade de Brasília Ricardo Caldas aponta que a educação é uma forma de se combater a corrupção. “O nível de educação é uma condição necessária ao combate do problema. No Brasil, o nível de educação poderia trazer, mas não necessariamente, cultura política”, ressalta. Para Caldas, o índice médio de crianças entre 5 a 14 em sala de aula (97%) pode ser considerado um avanço em relação à décadas passadas, mas pondera que a situação ainda não é a ideal.

O descaso da educação no governo Lula

Lula promete priorizar a educação. Como e quando?

Na América Latina, a universalização do ensino fundamental tem sido proporcional à elitização do ensino superior nos últimos anos. Isso aprofunda a desigualdade social, atrofia a capacidade de exercício da cidadania, inibe o diálogo social. Quanto mais baixo o nível de escolaridade da população, menor a sua renda. O país perdura como um vasto quintal propício à exploração de seus recursos humanos e naturais por parte do capital transnacional. Dados revelam que quanto maior a presença do Estado, melhor a educação. No Brasil, o investimento público em educação é insignificante. De 1995 a 2005 ficou em torno de R$ 20 bilhões/ano. Naquela década, a arrecadação da União cresceu proporcionalmente ao PIB; subiu de 16,8% para 22,8%. Nem por isso se alterou o investimento em educação. O superávit primário e o ajuste fiscal falaram mais alto.

O ano de maior recurso foi 2002, com dotação de R$ 22,1 bilhões. No governo Lula, investiram-se R$ 21 bilhões em 2003; R$ 20 bilhões em 2004; e R$ 20,4 bilhões em 2005. O Brasil investe 4,3% do PIB em educação, quando teria que dobrar. Os países asiáticos, destroçados pelas guerras das décadas de 1940/50, tornaram a educação alavanca de desenvolvimento graças à injeção de recursos, que variavam de 8 a 12% do PIB.O Plano Nacional de Educação, aprovado pelo Congresso em 2001, fixava em 7% do PIB os gastos em ensino. Infelizmente o professor-presidente FHC vetou. E Lula ainda não derrubou essa “herança maldita”. O ministro Fernando Haddad (queira Deus que o presidente Lula o conserve à frente do MEC) defende a elevação para 6% do PIB, seguindo recomendação da Unesco. Sem choque de investimento em educação, cobrado pelo Ipea, a prioridade do presidente Lula neste segundo mandato - melhorar a educação – terá igual destino da reforma agrária “priorizada” ao início do primeiro mandato... O Fundeb (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e Valorização dos profissionais da Educação) promete transferir, neste ano, R$ 2 bilhões de recursos federais a estados e municípios. Em termos de PIB equivale a um pífio acréscimo de apenas 0,1% em educação. Em 2010, quando o Fundeb estiver a pleno vapor, recebendo mais de R$ 5 bilhões, ainda assim a contribuição federal ficará em 0,3% do PIB.

Mais de 90% dos recursos do Fundeb são arrecadados por governos estaduais e prefeituras. O governo federal canta loas com voz alheia. O Ipea recomenda que a verba do governo federal seja adicional, e não mero remanejamento dos recursos do MEC. Dos R$ 2 bilhões deste ano, por exemplo, R$ 800 milhões já seriam repassados normalmente a estados e municípios. Portanto, não se trata de recursos extras. Quando a multidão de crianças e jovens brasileiros terão mais importância que os credores da dívida pública?

A violência urbana, outra prioridade do segundo mandato de Lula, resulta também do baixo nível de escolaridade de nossa população. Sem estudos não se consegue emprego. Sem emprego, não há renda. Sem renda... só restam a mendicância ou o crime. A média de escolaridade no Brasil cresce muito lentamente: 5,5 anos em 1995, e 7 anos em 2005. Nem sequer atingimos o nível de escolaridade obrigatória no país, que é de 8 anos.

No sistema ibero-americano, países como Espanha, Portugal e Cuba aumentaram de modo significativo, nos últimos 30 anos, a qualidade dos ensinos médio e superior, graças ao investimento público. Portanto, cautela frente à euforia privatizadora! Esta, além de fazer da educação uma mercadoria, anulando sua natureza de direito social, segrega todos aqueles que não dispõem de recursos suficientes para pagar uma boa escola.

As lacunas na educação aprofundam o fosso entre nações industrializadas e emergentes. Enquanto nas primeiras 85% dos jovens completam o ensino médio, na América Latina o índice é de apenas 35%. Na década de 1990, os países industrializados investiram na educação, em média, 6% do PIB; na América Latina não ultrapassou 4,1%.Não se pode falar em educação de qualidade sem tempo integral na escola para alunos da pré-escola ao ensino médio. Quatro horas diárias de período escolar é muito pouco, sobretudo considerando que, fora da escola, muitos ficam absorvidos pelo entretenimento deseducativo da TV.

O Brasil precisar eliminar também o analfabetismo digital e introduzir na escola tecnologias de informação e comunicação, que facilitam o acesso de alunos e professores à informação atualizada, favorecem a educação à distância, tornam mais participativos os processos de aprendizado. O analfabetismo cibernético gera menor produtividade e renda profissional; menos opções de mobilidade social; exclui do acesso à informação e a mercados; prejudica o uso eficiente do tempo; inibe a participação política, o poder de gestão, o intercâmbio comunicacional e cultural.“Estou conectado, logo existo”, diria hoje Descartes. No Brasil, o ProInfo (Programa Nacional de Informática em Educação), do MEC, precisa ser incrementado e, sobretudo, dotado de maiores recursos. No Chile, a Rede Enlances possibilita que hajam terminais interconectados em todo o sistema escolar. Na Costa Rica, o Programa de Informática Educativa permite, desde 1988, que todos os alunos do ensino fundamental e médio acessem a Web.Na Argentina, o Programa Educ.ar funciona como portal de conteúdos educativos, ferramenta de capacitação de docentes e plano de conexões. Nos EUA, de 1994 a 2000 passou-se de 14% de escolas conectadas e 3% de classes a quase 2/3 de classes e 100% das escolas, incluídas as mais pobres.

Com menos de 8% do PIB em educação o governo pode até obter índices idênticos de crescimento do PIB, mas não aprimorará o Índice de Desenvolvimento Humano e nem tornará o Brasil uma nação menos desigual e mais justa.

- Frei Betto é escritor, autor de “Batismo de Sangue” (Rocco), entre outros livros.

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